Você
sabe que, para administrar a justiça, existem no Brasil juízes, que atuam no
fórum. E que, quando alguém não está de acordo com a sentença do juiz, pode
apelar para o Tribunal de Justiça do Estado e, mais tarde, até o Supremo
Tribunal Federal. Pois bem, a Igreja católica também tem uma organização
própria da justiça. Só que nas causas de declaração de nulidade do matrimônio,
normalmente, o primeiro julgamento já é feito perante um tribunal de três
juízes.
Poderiam existir tribunais
desse tipo em todas as dioceses. Mas como no Brasil falta pessoal
especializado, os tribunais eclesiásticos funcionam, de fato, unicamente nas
sedes Regionais da CNBB, ou seja, em Manaus, Belém, Fortaleza, Recife,
Salvador, São Luís, Teresina, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo,
Curitiba, FIorianópolis, Porto Alegre, Goiânia e Campo Grande. Existem
tribunais também em Campinas, Aparecida, MARINGÁ, Sorocaba, Vitória e Brasília, que não
são sedes regionais da CNBB.
Nas dioceses onde não há
tribunal eclesiástico, deve haver uma pessoa encarregada dos assuntos da
justiça da Igreja e de encaminhar, quando for o caso, os processos ao tribunal.
Essa pessoa se chama "Vigário Judicial". Por isso, se você mora muito
longe das cidades indicadas acima, não precisa, no primeiro momento, fazer uma
viagem até lá. Basta que se apresente na cúria diocesana, ou seja, onde
funcionam os escritórios do seu bispo. Aí vai encontrar alguém que pode ajudar
a apresentar o seu caso.
QUEM
FORMA PARTE NO TRIBUNAL ECLESIÁSTICO REGIONAL?
Mesmo que você não tenha de
tratar com todas as pessoas do Tribunal, é bom que saiba quem são elas e qual a
sua função, porque, durante o processo, vai escutar, várias vezes, esses nomes.
Cada Tribunal tem um
presidente, que também se chama "vigario judicial", porque representa
os bispos da região nos julgamentos. Embora teoricamente os bispos, pelo seu
próprio cargo, tenham também a função de juízes, de fato, nos casos confiados
aos tribunais eclesiásticos, não atuam como tais. Por isso, o presidente faz as
vezes deles.
Além do presidente, existem
outros juizes. As causas ordinárias de declaração de nulidade do matrimônio são
julgadas por um tribunal de três juízes. No Brasil, está permitido que, junto
com dois sacerdotes ou diáconos, atue também um juiz leigo. Para cada tribunal
pode haver um número variável de juízes adscritos: três, quatro, cinco... Por
isso, quando se apresenta uma petição de declaração de nulidade do matrimônio,
é necessário formar um turno, ou seja, dizer quais são exatamente os três
juizes que vão julgar esse caso. Um deles será presidente do turno, que não se
deve confundir com o presidente do tribunal.
Existe também uma figura
pouco simpática para quem pretende que seu matrimônio seja declarado nulo.
Trata-se do defensor do vínculo. Seu papel consiste em argumentar, sempre que
possível, em favor da validade do matrimônio. Vai ser, portanto, o adversário
de quem pretenda a nulidade. Mas não exageremos as coisas. Ele tem de
"expor tudo o que razoavelmente possa ser aduzido contra a nulidade"
(cân. 1432). Por isso, em certos casos acaba por dizer que não tem nada que
alegar.
Nos tribunais eclesiásticos,
existe também o promotor da justiça, que equivale ao "procurador" ou
"promotor público" do direito civil. Representa o bem público, ou
seja, o bem da Igreja enquanto instituição. Por isso, a sua atuação é
obrigatória sempre que esse bem público está comprometido num julgamento
concreto. Mas também por isso raramente atua nas causas matrimoniais.
No tribunal, você vai
encontrar o notário, que entre nós é chamado também secretário. Qual é a sua
função? Redigir e assinar todos os documentos dos processos. Essa assinatura é
tão importante que, sem ela, os documentos carecem de valor legal. O notário é,
portanto, além de secretário, também "tabelião". Como é lógico,
quando um tribunal tem muito trabalho, pode haver vários notários que atuem
nele.
Finalmente, nos tribunais
eclesiásticos, aparecem também os advogados e os procuradores. O advogado é o
conselheiro jurídico de uma das partes. Por isso, a ele corresponde sugerir que
seja interrogada uma testemunha concreta, ou que se peça o parecer de alguns
peritos. Também tem de redigir e apresentar os arrazoados em favor do seu cliente.
O Código de Direito Canônico também chama o advogado com o nome de
"patrono", porque "patrocina" a causa de uma das partes.
Por seu turno, o procurador é a pessoa que representa uma das partes para
realizar certos atos, como receber notificações oficiais, pedir que o juiz
decida um ponto particular, etc. Normalmente, nos tribunais eclesiásticos, o
advogado assume também o papel de procurador. Em cada tribunal, deve existir
uma lista de advogados aprovados para atuar nele. Quando alguma pessoa se apresenta
querendo iniciar um processo de declaração de nulidade de seu matrimônio, o
secretário do tribunal ou a pessoa encarregada da recepção deve entregar-lhe
essa lista, a fim de que possa escolher aquele que achar mais conveniente.
Embora seja muito útil o auxílio de um advogado, sobretudo na fase final do
processo, quando as provas já foram reunidas e é necessário apresentar uma boa
argumentação, contudo, nos processos de declaração de nulidade do matrimônio,
não há obrigação estrita de nomeá-lo. O mais comum é que o demandante, quer
dizer, aquele que apresenta o pedido ao tribunal, indique formalmente seu
advogado. Pelo contrário, o demandado, ou seja, o outro cônjuge, quase nunca
tem um. Se você está querendo iniciar um processo e conhece uma pessoa - padre
ou leigo(a) - em quem confia e que estudou o suficiente direito canônico para
poder levar adiante seu caso, poderia pedir ao tribunal que essa pessoa fosse
admitida a desempenhar a tarefa de advogado, mesmo que não conste previamente
da lista oficial.
POSSO
APRESENTAR MEU PEDIDO EM QUALQUER TRIBUNAL ECLESIÁSTICO?
Não, não pode. Você, porém,
pode escolher entre o tribunal correspondente ao lugar da celebração de seu
casamento ou ao lugar onde está atualmente residindo seu marido ou sua mulher.
Além disso, com licença do presidente do último tribunal citado, também poderia
ser feito o processo perante o tribunal correspondente a sua própria
residência. E ainda, obtendo uma licença prévia dos outros tribunais
interessados, no lugar onde devem ser recolhidas a maior parte das provas, por
exemplo, onde mora a maioria das testemunhas. O seu advogado lhe poderá
explicar isto um pouco melhor e encaminhar, se for o caso, os pedidos de
licença necessários.
A
PETIÇÃO INICIAL OU "DEMANDA"
Como dizíamos anteriormente,
você tem de dar o primeiro passo, se realmente chegou à conclusão de que a
única saída é pedir a declaração de nulidade de seu matrimônio.
Para isso, tem de apresentar
ao tribunal correspondente a sua petição ou "demanda", ou seja, tem
de manifestar claramente o que você quer. Essa petição se faz obrigatoriamente
por escrito. O Código dá a esse escrito o nome de "libelo introdutório da
causa", ou simplesmente libelo. Como redigi-lo? Se você já escolheu um
advogado ou se o seu pároco ou um outro sacerdote estão dispostos a ajudá-lo, a
sua tarefa pode ficar facilitada. Mas a coisa não é tão difícil e você mesmo
poderia também fazê-lo. No modelo de processo que se encontra no fim do livro,
você vai achar um exemplo de libelo.
No escrito de demanda, comece
por indicar a que tribunal se dirige. Depois dê os dados pessoais dos dois: os
seus e os de seu marido ou mulher. Não esqueça de colocar claramente onde ele
ou ela está morando. Se não sabe, procure pesquisar previamente. A falta desse
dado pode atrasar desnecessariamente o andamento do processo. Tente depois
descrever brevemente a história do seu casamento: como vocês se conheceram e
chegaram à decisão de casar; onde e como foi a cerimônia; como transcorreu o
tempo de convivência; quando e como começaram os desentendimentos; por que se
separaram; qual é a situação atual dos dois. Não precisa dar muitos pormenores.
Você será posteriormente interrogado e então poderá falar tudo o que quiser.
Após a descrição dos fatos,
tente argumentar, ou seja, diga qual é a causa ou causas por que você pensa que
o seu casamento foi nulo. Reveja, para isso, os vinte e cinco possíveis motivos
que foram expostos nos capítulos II e III deste livro. Indique também, muito
resumidamente, as provas de que você pensa dispor: lista de testemunhas, com
endereço completo; cartas ou outros documentos; pareceres de médicos e
psiquiatras etc. Não se preocupe se no libelo esqueceu de colocar alguma
testemunha que seria muito importante Durante o processo, poderá alegar outras
provas.
A parte final do libelo é a
petição, no sentido estrito. Ou seja, termine dizendo que, em vista dos fatos
descritos e das disposições do Código de Direito Canônico que se aplicam ao
caso, pede que o tribunal, mediante o processo correspondente, declare nulo o
seu matrimônio. Coloque, então, a data e assine.
No próprio libelo, ou num
escrito à parte, você pode nomear advogado e procurador. É bom que a mesma
pessoa desempenhe os dois ofícios. Se você, com o consentimento do tribunal, já
fez essas nomeações anteriormente, então o libelo pode ir assinado pelo seu
procurador e não necessariamente por você.
Entregue o libelo na
secretaria do Tribunal Eclesiástico Regional (TER), junto com uma certidão do
seu casamento religioso. É muito conveniente também, embora não estritamente
necessário, que se já fez separação judicial ("desquite") ou
divórcio, entregue cópia das sentenças civis correspondentes. É bom que você
peça recibo da entrega do libelo, com data, porque assim poderá reclamar, se o
tribunal não cumprir os prazos legais.
OS
PRIMEIROS PASSOS DO TRIBUNAL
Uma vez recebido o libelo, o
presidente do Tribunal Eclesiástico Regional deve designar o turno, ou seja,
dizer concretamente quais são os três juizes que vão julgar o seu caso. Como
dissemos anteriormente, um deles será o "presidente do turno".
Normalmente, ele assume também a função de "ponente", ou seja,
encarregado de, no momento oportuno, redigir a sentença.
O novo Código não diz nada
sobre isso, mas cremos que é muito oportuno continuar com a prática
anteriormente existente de pedir uma opinião prévia, sobre os casos de nulidade
matrimonial, ao pároco da parte demandante, ou seja, da pessoa que apresentou o
libelo. O secretário do tribunal é quem vai escrever a carta correspondente,
por mandato do presidente do turno.
O mesmo presidente, lendo
atentamente o libelo, vai decidir se o caso é tão complicado que exige, já
desde o início, ser apreciado pelo "colegiado", ou seja, pela reunião
dos três juízes do turno. Na maior parte das vezes, porém, ele sozinho dará a
primeira decisão: aceitar ou rejeitar o libelo. Para isso, devem ser examinadas
quatro coisas:
Se o tribunal é competente
para atuar nesse processo;
Se a pessoa que pede a
declaração de nulidade tem, de acordo com o direito, capacidade para fazer
isso;
Se no libelo constam os
dados necessários;
Se do libelo se pode deduzir
que há algum fundamento jurídico naquilo que se pede.
Se se cumprem essas quatro
condições, o libelo deve ser aceito; caso contrário, deve ser rejeitado. É
claro que se a falha consistir em algo que pode ser imediatamente reparado
(como seria, ter omitido o nome e domicílio do demandado), é permitido redigir
um novo libelo, incluindo os dados que faltavam.
Se o libelo for rejeitado,
você pode ainda apelar, ou seja, reclamar a uma autoridade superior: ao
colegiado, se a rejeição foi um ato pessoal do presidente do turno; ao tribunal
de apelação, se foi decretada pelo colegiado.
Quando passam inutilmente
trinta dias desde que você entregou o libelo na secretaria do tribunal, pode
reclamar. E se, apesar da reclamação, passarem mais dez dias sem que haja
nenhuma decisão, fique tranquilo: o seu libelo está automaticamente aceito, por
disposição da própria lei.
A
"CITAÇÃO"
A aceitação do libelo não
significa que o tribunal já reconheça a nulidade do seu casamento. Trata-se
apenas de um passo prévio: o seu caso foi considerado sério e digno de ser
examinado atentamente.
No próprio decreto de
aceitação do libelo, o presidente do turno deve mandar que as partes (você,
"demandante", e seu cônjuge, "demandado") sejam citadas, a
fim de determinar claramente qual é o ponto que vai ser discutido ao longo do
processo. Porque não basta dizer que do que se trata é de ver se o matrimônio
foi nulo ou válido; é necessário também acertar claramente qual é o motivo que
se alega para a nulidade; ainda mais, deve constar também se o demandado está
de acordo ou não com esse motivo alegado.
A citação não significa que
você vai ter de encontrar-se, face a face, com o seu marido ou com a sua
mulher. O que se faz é mandar um escrito às duas partes indicando que o libelo
foi aceito. Para o demandado, como é lógico, envia-se cópia ou, pelo menos, um
resumo do libelo. Além disso, indica-se que as partes têm o prazo de quinze
dias para pedir, se o desejarem, uma sessão oral, para determinar o ponto
controverso, quer dizer, o motivo exato que se alega para a nulidade do
casamento.
Desde o momento em que você
e a outra parte recebem a comunicação da citação, começa oficialmente o
processo.
Fonte: Livro
"CASAMENTOS QUE NUNCA DEVERIAM TER EXISTIDO", p. 29-35.,