quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Os sacerdotes são instrumentos da misericórdia infinita de Deus


Depois de uma noite de chuva intensa, Roma acordou para uma manhã cinzenta e com mais um banho de multidão na Praça de São Pedro para o Papa Francisco. O Santo Padre prosseguiu hoje a sua catequese sobre a “remissão dos pecados”, fazendo referência ao “poder das chaves” que é um símbolo bíblico da missão que Jesus deu aos Apóstolos.

“Antes de mais devemos recordar que o protagonista do perdão dos pecados é o Espírito Santo. Ele é o protagonista.”

Na sua primeira aparição no Cenáculo, Jesus Ressuscitado é o homem novo e oferece os dons pascais frutos da sua morte e ressurreição: a paz, a alegria, a remissão dos pecados, a missão, mas, sobretudo, oferece o Espírito Santo que de tudo isto é a fonte. Assim, o Santo Padre afirmou:

“...o Espírito Santo traz-nos o perdão de Deus passando através das chagas de Jesus.”


De seguida o Papa referiu-se a um segundo elemento importante: Jesus dá aos Apóstolos o poder de perdoar os pecados. A Igreja é a fiel depositária deste poder das chaves. Deus perdoa os pecados mas Ele próprio quis que todos os que pertencem a Cristo e à Igreja recebam o perdão mediante os ministros da Comunidade.

“A Igreja não é a senhora deste poder das chaves, mas é serva do ministério da misericórdia e alegra-se todas as vezes que pode oferecer este dom divino.”

Segundo o Papa Francisco muitas pessoas dizem que se confessam diretamente a Deus, mas Deus manda-lhes um irmão que lhes tráz o perdão em nome da Igreja:

“Às vezes ouve-se dizer que certas pessoas confessam-se diretamente a Deus ... sim, como dizia antes, Deus escuta-te sempre, mas no sacramento da reconciliação manda um irmão para te trazer o perdão em nome da Igreja.”

Concluindo a sua catequese o Santo Padre explicou a exigência do serviço de um sacerdote quando acolhe os fieis para o sacramento da reconciliação:
“O serviço que um sacerdote presta como ministro, da parte de Deus, para perdoar os pecados é muito delicado e exige que o seu coração seja em paz; que não maltrate os fieis, mas que seja benévolo e misericordioso; que saiba semear esperança nos corações e, sobretudo, seja consciente que o irmão ou a irmã que procura o sacramento da reconciliação fá-lo como tantas pessoas procuravam Jesus para que as curasse. O sacerdote que não tenha esta disposição de espírito é melhor, até que não se corrija, que não administre este sacramento. Os fieis penitentes têm o direito de encontrar nos sacerdotes servidores do perdão de Deus.”

O Papa Francisco dirigiu nesta audiência uma cordial saudação aos peregrinos de língua portuguesa, nomeadamente aos membros da comitiva do Estado brasileiro de Santa Catarina e aos peregrinos vindos de Portugal da cidade de Matosinhos, que foram a Roma com o desejo de afirmar a sua adesão a Cristo.
No final da audiência o Santo Padre recordou o dia 21 de novembro, memória litúrgica da Apresentação de Maria Santíssima no Templo, em que se celebra a Jornada Pro Orantibus, dedicada às comunidades religiosas de clausura. Para elas o Santo Padre dirigiu o seu pensamento e oração.
Por sua vez, no dia 22 comemora-se o Dia Internacional do Mundo Rural sob o alto patrocínio das Nações Unidas. O Santo Padre sublinhou os enormes benefícios que a família dá ao crescimento económico, social, cultural e moral da inteira comunidade humana.


O Papa Francisco recordou e rezou também pelas vítimas do ciclone na Sardenha que nos últimos dias deixou um rasto de destruição naquela ilha italiana.

Texto: Vatican.News

terça-feira, 12 de novembro de 2013

O Tráfico de pessoas

Poucas semanas antes de sua vinda ao Brasil, em julho deste ano, o papa Francisco esteve na ilha de Lampedusa, já próxima da África, no sul da Itália; ali aportam numerosos prófugos da miséria e da violência, procedentes da África e de outras partes do mundo, sonhando com a vida na Europa.
Muitos, de fato, nem conseguem chegar à terra firme e naufragam, ou são abandonados pelos modernos mercadores de escravos no meio do Mediterrâneo em barcos abarrotados e sem o mínimo respeito à sua dignidade. Isso, depois de terem pago caro a alguma organização criminosa pelo transporte e pela promessa de visto e emprego no lugar de destino. Milhares acabam morrendo e jogados ao mar, nada diferente do que acontecia durante séculos com os navios negreiros no período colonial.
O Papa jogou flores ao mar para lembrá-los; ao mesmo tempo, rezou pelos que pereceram e confortou sobreviventes; e denunciou o tráfico de pessoas como uma atividade ignóbil, uma vergonha para sociedades que se dizem civilizadas. Diante dessa questão, os governos muitas vezes ficam indiferentes ou sem ação. Francisco conclamou a todos à superação da “globalização da indiferença”.
Desde tempos imemoriais, o tráfico de pessoas era praticado amplamente e até aceito, geralmente, em vista do trabalho escravo. O Brasil conviveu por séculos com a escravidão de índios e africanos; estes últimos eram adquiridos, traficados e comercializados como “coisa” num mercado vergonhoso, mas florescente. Foram necessários séculos para que a escravidão fosse formalmente proibida e abolida. Um progresso civilizatório!
Mas o problema voltou, se é que já havia sido erradicado de maneira completa. A forma contemporânea de escravidão é bem mais difundida e grave do que se poderia imaginar e está sendo favorecida pela globalização das atividades econômicas ilegais e clandestinas. Hoje, como no passado, essa atividade criminosa envolve organizações e redes nacionais e internacionais, com altos ganhos a custos e riscos baixos para os traficantes.
O tráfico de pessoas é praticado em vista de vários âmbitos da economia, legais e ilegais, como a construção civil, a agricultura, o trabalho doméstico, o entretenimento, a exploração sexual e, mesmo, a adoção ou a comercialização de órgãos. As vítimas, geralmente, são atraídas por promessas de trabalho e emprego, boas condições de vida em outras cidades ou países. Com freqüência, o tráfico de pessoas está ligado ao fenômeno das migrações e à permanência ilegal e precária em algum país.
Capítulo especialmente doloroso representa o tráfico de crianças e adolescentes, praticado por redes que envolvem pequenas vítimas do mundo inteiro. Entidades não-governamentais, que acompanham esta questão, estimam que, na década de 1980, quase 20 mil crianças brasileiras foram levadas para a adoção no exterior; constataram-se numerosos processos fraudulentos nessas adoções. No Brasil, há denúncias de tráfico de crianças e adolescentes destinados à exploração sexual; e continua grande o contingente de crianças de 7 a 14 anos de idade exploradas no trabalho infantil.
Algumas características do tráfico humano já foram estudadas. Antes de tudo, ele envolve o crime organizado, com uma complexa estrutura que relaciona meios e fins para facilitar suas atividades; há aliciadores, fornecedores de documentos falsos e de assistência jurídica, transportadores, lavagem de dinheiro... Há rotas nacionais e transnacionais do tráfico de mulheres para a exploração sexual, de trabalhadores ilegais, de crianças, de órgãos. No Brasil, a Região Amazônica apresenta o maior número dessas rotas, seguida pelo Nordeste.
O tráfico de pessoas é abastecido por hábeis e convincentes aliciadores, que induzem suas vítimas e as envolvem numa rede, que lhes tira a autonomia e da qual dificilmente conseguem se libertar. Geralmente, há uma boa proposta de emprego e renda no aliciamento. Por ser um crime invisível e silencioso, seu enfrentamento é difícil; as vítimas geralmente não denunciam, uma vez que elas passam a viver em situação de risco e de constrangimento. Além da vulnerabilidade social e econômica, elas têm sua dignidade degradada.
Como enfrentar essa chaga social, que representa um verdadeiro retrocesso cultural e civilizatório? Apesar da gravidade do problema, apenas recentemente ele começou a ser enfrentado seriamente pela sociedade. A partir da segunda metade do século 20, a escravidão no âmbito do trabalho forçado imposto pelas guerras começou a ser debatida em fóruns internacionais, de modo especial na Organização Internacional do Trabalho e na ONU. Com o avanço da globalização, alastrou-se ainda mais o tráfico de pessoas, mas também a consciência sobre a necessidade de normas adequadas e eficazes para combater esse tipo de crime.
Em 1999, a ONU realizou a Convenção de Palermo, contra o crime organizado transnacional e seus protocolos estão em vigor desde 2003. O Brasil adotou essa Convenção em 2006; desde 2008 tem o seu próprio Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Há numerosas iniciativas de organizações da sociedade civil que se dedicam ao enfrentamento do tráfico de pessoas. A Igreja também tem suas pastorais voltadas para essa problemática.

Em 2014, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) promoverá, no período que precede a celebração da Páscoa, a Campanha da Fraternidade sobre o tema do tráfico de seres humanos. Será uma boa ocasião para uma tomada de consciência mais ampla sobre as dimensões e a gravidade do problema e para suscitar iniciativas e decisões para enfrentar essa vergonhosa chaga social em nosso País.
Texto: Cardeal Odilo Pedro Scherer 
Arcebispo de São Paulo
Fonte: CNBB

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

É preciso perder o medo de errar; O humilde não tem medo de errar


Quem se reconhece e se aceita, quem é humilde, não tem medo de errar. Por quê? Porque se, depois de ponderar, prudentemente, a sua decisão, ainda cometer um erro, isso não o surpreenderá, pois sabe que é próprio da sua condição limitada. São Francisco de Sales dizia de uma forma muito expressiva: “Por que se surpreender que a miséria seja miserável?”.

Lembro-me ainda daquele dia em que subia a encosta da Perdizes, lá em São Paulo, para dar a minha primeira aula na Faculdade Paulista de Direito, da PUC (Pontifícia Universidade Católica). Ia virando e revirando as matérias, repetindo conceitos e ideias. Estava nervoso; não sabia que impressão causariam as minhas palavras naqueles alunos de rosto desconhecido. E se me fizessem alguma pergunta a qual eu não saberia responder? E se, no meio da exposição, eu esquecesse a sequência de ideias?

Entrei na sala de aula tenso, com um sorriso artificial. Comecei a falar. Estava excessivamente pendente do que dizia, nem olhava para a cara dos alunos. Falei quarenta e cinco minutos seguidos sem interrupção, sem consultar uma nota sequer.


Percebi, porém, um certo distanciamento da “turma”, um certo respeito. Um rapaz, muito comunicativo e inteligente, talvez para superar a distância criada entre o grupo e o professor, aproximou-se e me cumprimentou: “Parabéns, professor. Que memória! Não consultou, em nenhum momento, os seus apontamentos. Foi muito interessante!"

Respirei, mas, desconfiado, quis saber: "Você entendeu o que eu disse?" Admirou-se com a minha pergunta; não a esperava. Sorrindo, encabulado, confessou-me: "Entendi muito pouco, e, pelo que pude observar, a 'turma' entendeu menos ainda".

A lição estava clara: "Dei a aula para mim e não para eles. Dei a aula para demonstrar que estava capacitado, mas não para ensinar”. Faltara descontração, didática, empatia; não fizera nenhuma pausa, nenhuma pergunta. Fora tudo academicamente perfeito, como um belo cadáver. Fora um fracasso.

Lembro-me também que, quando descia aquela encosta, fiz o propósito de tentar ser mais humilde, de preparar um esquema mais simples, de perder o medo de errar, esse medo que me deixara tão tenso e tão cansado; de pensar mais nos meus alunos e menos na imagem que eles pudessem fazer de mim. E se me fizessem uma pergunta a qual não soubesse responder, o que diria? Pois bem, diria a verdade, que precisava estudar a questão com mais calma e, na próxima aula, lhes responderia. Tão simples assim.

Que tranquilidade a minha ao subir a encosta no dia seguinte! E que agradecimento dos alunos ao verem a minha atitude mais solta, mais desinibida, mais simpática! Uma lição que tive de reaprender muitas vezes ao longo da minha vida de professor e de sacerdote: a simplicidade, a transparência e a espontaneidade são o melhor remédio para a tensão e a timidez e o recurso mais eficaz para que as nossas palavras e os nossos desejos de fazer o bem tenham eco. 

Não olhemos as pupilas alheias como se fossem um espelho, no qual se reflete a nossa própria imagem; não estejamos pendentes da resposta que esse espelho possa dar às perguntas que a nossa vaidade formula continuamente: "O que é que você pensa de mim? Gostou da colocação que fiz?" Tudo isso é raquítico, decadente, cheira ao mofo do próprio "eu", imobiliza e retrai, inibe e tranca a espontaneidade. Percamos o medo de errar e erraremos menos.

Texto: Dom Rafael Llano Cifuentes