quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Nulidade de casamento religioso convalidada pela justiça brasileira


Recentemente, no mês de junho de 2013, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) convalidou uma sentença canônica de nulidade de casamento. O relator do processo estribou-se no artigo 12 do Acordo Brasil-Santa Sé. Com efeito, reza o parágrafo primeiro do mencionado artigo: “A homologação das sentenças eclesiásticas em matéria matrimonial, confirmadas por órgão de controle superior da Santa Sé, será efetuada nos termos da legislação brasileira sobre homologação de sentenças estrangeiras.”

Penso que doravante haverá muitos requerimentos de homologação de sentenças judiciais oriundas do poder judiciário da Igreja católica. Pelo pacto internacional celebrado com a Santa Sé, o Brasil se compromete a dar validade jurídica às decisões relativas a matrimônios, nada mais. Deveras, a Igreja sempre reivindicou sua competência concorrente para estatuir as normas que digam respeito ao casamento. Vale dizer: a Igreja e o Estado têm graves responsabilidades em tutelar os valores da família.
Resta saber se a justiça brasileira homologará tão somente as sentenças em que a nulidade provier de causa concomitantemente relevante para o direito civil e para o direito canônico ou de causa de nulidade exclusivamente canônica. Explico. A coação irresistível, como uma ameaça de morte, torna nulo o casamento tanto no aspecto cível quanto no canônico. Ora, se o noivo foi compelido a se casar sob o prenúncio de um mal terrível, irrogado pelo pai da noiva, cuida-se de um casamento nulo. Outro exemplo se reporta à idade. É nulo para a Igreja e para o Estado um casamento em que o noivo contar com 11 anos de vida. Sem embargo, existem causas de nulidade exclusivamente canônicas, não referendadas pelo direito civil. Uma hipótese, bastante comum nos tribunais eclesiásticos, é a chamada “exclusão do bem da fidelidade”. Um dos nubentes, ou ambos, foi sempre infiel, privando com outros parceiros sexuais desde o namoro. Este casamento é nulo para a Igreja. Outra possibilidade, uma das mais ocorrentes nas cortes canônicas, é a denominada “falta de discrição de juízo”, ou seja, uma imaturidade grave que impede aos nubentes coexistirem sob o mesmo teto, com o cumprimento das obrigações inerentes ao conúbio. Isto é nulidade para o direito canônico, mas não para o direito civil ou estatal.
Pelo que pude aquilatar em colóquios com alguns especialistas, a tendência é que a justiça brasileira homologue qualquer casamento declarado nulo pela corte máxima da Igreja, o Tribunal da Assinatura Apostólica, localizado em Roma. É, aliás, o que se depreende da leitura do resumo da primeira homologação deste tipo, postado no site do STJ. O relator coloca como premissas para a convalidação o fato de o casamento haver sido celebrado em conformidade com o direito civil, bem como a previsão do ato homologatório no acordo. Parece não haver nenhuma referência à causa de nulidade contemplada simultaneamente pelo direito civil e pelo direito canônico.
A grande novidade trazida pelo Acordo Brasil-Santa Sé consiste em que os envolvidos nestes processos, após a devida homologação, passarão a ostentar o estado civil de solteiro. Isto é simplesmente revolucionário! É claro que, felizmente, não nos encontramos mais em tempos tão preconceituosos, em que ser divorciado ou divorciada era uma nódoa pesadíssima imposta pela sociedade. De qualquer modo, cuido que a bastante gente interessará voltar a ser solteiro, após um casamento malogrado.
Os tribunais eclesiásticos do Brasil estão repletos de pedidos de nulidade de matrimônio. Sabemos que grande parte dos brasileiros opta pelo casamento religioso (canônico) na Igreja católica. Perante a legislação pátria, não vejo caminho para a declaração de nulidade de casamento, com o retorno ao estado civil de solteiro, a não ser pelo processo canônico, conforme as novas e alvissareiras perspectivas delineadas pelo acordo Brasil Santa-Sé.

TEXTO: EDSON SAMPEL
Fonte: Zenit